Por: Marino Guerra
Ao sair da zona urbana de João Pinheiro, em Minas Gerais, até chegar à unidade industrial da usina Bevap, é preciso atravessar uma serra com uma vista espetacular, no entanto, seca, o que leva à conclusão de que a região, onde predomina o bioma cerrado, não é nada receptiva a qualquer prática agrícola.
Ao terminar uma de tantas curvas, reluz aos olhos um lindo verde que ganha intensidade ainda maior por se contrastar com o marrom da vegetação nativa, típica do fim do inverno, passando a mensagem de que algo muito especial está próximo.
Surgida em 2007, a empresa passou por um processo de implantação que durou três anos. É perceptível, ao andar por seu canavial, a complexidade de sua infraestrutura de dutos e canais de sistema de irrigação.
A usina iniciou a moagem em 2010 e foi preciso apenas duas safras para se ultrapassar a marca de dois milhões de toneladas de cana. Número que vem progredindo ao longo do tempo e que na safra atual (19/20) deve ultrapassar três milhões de toneladas. Para isso, a cana é cultivada numa área de 31 mil hectares, sendo quase toda em relevo plano.
Antes da visita, durante a quarta edição do Irrigacana (Seminário Brasileiro de Irrigação e Fertirrigação de Cana-de-açúcar), que aconteceu em Ribeirão Preto, o gerente agrícola da usina, Hermes Arantes, iniciou sua palestra com a seguinte afirmação: “Irrigação é sobrevivência”.
No caso da Bevap, que está numa região de pouca chuva e alta evapotranspiração, a afirmação parece óbvia. Contudo, depois de visitar a usina, tem-se a certeza de que o recado não serve apenas para a empresa, mas para todo o setor. Isso porque ao confrontar números de investimento e produtividade, a conta fecha com facilidade, como poderá ser percebido ao longo deste texto.
As informações mais superficiais da operação canavieira, produtividade e idade média, já mostram a beleza do projeto. No ciclo passado a produtividade foi de 115 toneladas por hectare numa idade média de 5,36 anos (sendo 47,1% acima do sexto corte).
Para isso foi desenvolvido um sistema de irrigação que usa como fonte quatro rios (Paracatu, Preto, Entre Ribeiros e Verde), barragens (que acumulam água da chuva e também de córregos) e utilização de vinhaça para abastecer 91 pivôs centrais, 18 rebocáveis, 13 lineares, 34 hidroholls e sete estruturas de gotejamento.
O pleno funcionamento ainda depende de uma significativa lista de recursos complementares formada por 17 estações de captações, 65 casas de bomba, 13 reservatórios de água, 22 reservatórios de vinhaça, 48 km de canal, 140 km de rede elétrica, 13 tratores, 36 motocicletas, 14 veículos, três retroescavadeiras, um caminhão munck e um time formado por cerca de 240 profissionais dedicados somente para a irrigação.
A distribuição do sistema mostra que 61% da cobertura é feita por pivôs centrais, 12% por hidroholl, 11% por pivôs lineares e rebocáveis, e apenas 3% usam o gotejamento. Contudo, esse cenário deve mudar com a resposta impressionante dada pela cana quando utilizado o gotejamento. Para se ter ideia, comparativos feitos na usina mostraram ganhos de produtividade (em t/ha) acima de 40% em relação ao pivô central, o que estimularam os diretores da usina a investirem na tecnologia. A meta é ocupar toda a área que hoje é molhada pelo hidroholl.
Para tanto, é preciso ressaltar que a água sozinha não traria esse resultado. Segundo o gestor de irrigação, Wanderson Bruno de Almeida, é preciso considerar que boa parte recebe doses variadas de vinhaça e fertilizantes, além da quantidade e da frequência de irrigação serem definidas conforme variações climáticas, ambiente de produção e proximidade da colheita.
Neste ponto, ele conta que algumas lições foram assimiladas, como a melhor eficiência em se alimentar a planta de forma parcelada e também ter um planejamento para correção de falhas, já que é natural, com a falta de estresse hídrico, o sistema radicular ficar “mal-acostumado”, sendo menos resistente à colheita mecanizada.
Com isso, Arantes conta que em cerca de 10% de sua área de primeiro a quinto corte é preciso corrigir falhas pelo menos uma vez, e que o processo já apresenta um ganho de 8% em produtividade.
Para atender a essa demanda, já está em processo de implementação um projeto de plantio 100% de MPB (MudasPré-Brotadas) e também a sua utilização na correção de falhas, até porque água na fase de ambientação não falta. Para isso, a capacidade de produção interna (biofábrica) vem crescendo progressivamente.
Perante a esse cenário, a empresa mostrou os números de investimento e a perspectiva de retorno de cada processo. A irrigação por pivô teve um custo de R$ 9,5 mil por hectare, o que dará 10 anos de longevidade e uma expectativa de produtividade de 110 t/ha ao longo da vida. O retorno está projetado em 4,5 anos.
Ao ver os números do sistema de gotejamento, mesmo com recursos iniciais muito maiores (R$ 14,5 mil/ha), o fato de uma expectativa de vida do canavial de 15 anos, produzindo a uma média de 150 t/ha, aponta para um ROI de três anos.
Ao observar os custos operacionais dos sistemas de irrigação, a empresa informou que o pivô central é o mais barato (15 t/ha/ano), seguido pelo linear (17 t/ha/ano) e o rebocável (19 t/ha/ano). Os dois mais caros são o hidroholl que custa 23 t/ha/ano e o gotejamento, consumindo 37 t/ha a cada safra.
No entanto, ao colocar na conta o TCH previsto, o gotejamento é de longe o mais eficiente, gerando mais que o dobro de cana para a moenda em relação ao hidroholl: 113 contra 48 t/ha.
Essas informações levam ao seguinte raciocínio primário: é questão de tempo a substituição do hidroholl pelo sistema de gotejamento.
Porém, a transformação não deverá ser tão simples assim, até porque as usinas da região Centro-Sul utilizam, em sua grande maioria, o equipamento nas bacias de vinhaça e, no gotejamento, elas ainda não experimentaram misturar o subproduto com água.
Fonte: Revista Canavieiros