Um cenário de incertezas

13/05/2020 Etanol POR: Fernanda Clariano

Virálcool Sertãozinho, iniciou a safra a todo vapor

Os efeitos da crise do petróleo e do coronavírus no setor sucroenergético

A pandemia do novo coronavírus pode causar uma redução de 24% na produção de etanol no país na safra 2020/21, que ficaria na casa dos 25 bilhões de litros. A estimativa é que essa crise pode implicar em uma perda de receita de R$ 0,2252/litro de hidratado comparativamente a 2019, fazendo com que o setor sucroenergético retorne aos níveis de preço do etanol praticados em 2017.

De acordo com o diretor superintendente do grupo Viralcool, Antonio Eduardo Tonielo Filho, o grupo baixou em 20% a produção de etanol. Segundo ele, muitas usinas do Centro-Sul passaram a produzir mais o açúcar, incrementando de 7 a 8 milhões de toneladas do produto no Brasil em relação ao ano passado e, com isso, uma diminuição no etanol numa proporção de 4 a 5 bilhões de litros.

“Viramos tudo para açúcar, não só o nosso grupo, mas todas as usinas do Centro-Sul e com isso o preço do açúcar também caiu, saiu de 15 cents libra peso que estava no final de fevereiro e está em 10 cents de libra peso em Nova York, só que a vantagem é que o dólar subiu e compensou um pouco essa perda de preço”, destacou Tonielo Filho. Contudo, ele ressalta que o açúcar tem liquidez e, apesar do preço ruim, tem demanda e consumo, ao contrário do etanol que está sem preço e sem demanda. “Estamos preocupados com o preço do etanol, mas o problema dele é o consumo, sua liquidez foi para zero. O preço derreteu, saiu de R$ 1,99 para R$ 1,25. Em março, o consumo de etanol caiu praticamente quase 60% e o da gasolina 50%”, disse.

Para o diretor técnico da Unica (União da Indústria de Cana-de-açúcar), Antonio de Pádua Rodrigues, o momento é de sentir de fato a repercussão no mercado interno de combustíveis, pois as empresas precisam de caixa e de capital de giro, mas o mercado não está demandando. “Há um limite estrutural para a mudança do mix. Na última safra tivemos cerca de 35% de cana destinada à produção do adoçante, enquanto 65% ficou para o etanol. Neste ano, sem dúvida haverá uma mudança, talvez ficando em 40% para açúcar e 60% para etanol, 45% - 55% no limite”, comentou Pádua.

Ainda de acordo com o executivo, o cenário é complicado, pois o aumento da produção de açúcar não resolverá todos os problemas. “Registramos queda superior a 20% na receita com exportação de açúcar, mesmo após a desvalorização cambial. A maior parte da cana não poderá ser destinada ao adoçante e o preço do etanol pago ao produtor está abaixo do patamar de custo”, destacou.

Sobre o consumo total de combustíveis do ciclo Otto em relação à safra passada, Pádua afirmou ainda não saber de fato qual será a demanda, mas disse ser preocupante. “Há registros de retração no consumo de combustíveis leves no mercado doméstico de mais de 50%”.

Efeitos no mercado

A crise também pode mudar a oferta e demanda mundial do biocombustível, não apenas por desaceleração econômica, mas também por barreiras sanitárias. A rápida disseminação do vírus pode suprimir a demanda pelo biocombustível nacional, sobretudo nos mercados asiáticos, com destaque para a Coreia do Sul. No último ano, por exemplo, as vendas de etanol para este país representaram 25,6% do total externalizado pelo Brasil.

Tonielo Filho: “Tínhamos ótimas expectativas, mas de uma hora para a outra o setor passou a viver um futuro incerto”

Expectativa do setor para a próxima safra

O diretor superintendente do grupo Viralcool conta que a expectativa tanto de produção de cana, rendimento de açúcar e rendimento agrícola eram boas, com preços de açúcar de 15 cents para cima, o que daria 60-70 a saca ou até mais. O etanol com uma média de R$ 1,70 para o produtor, mas em uma semana a alegria virou tristeza. “Tínhamos uma ótima produção de cana, a previsão era de preços bons, com o RenovaBio entrando a cadeia em si seria lucrativa tanto para as usinas, produtor de cana, prestadores de serviços e de uma hora para a outra tudo foi por água abaixo e não sabemos o que vai acontecer. Já faz um mês que o setor virou pesadelo e o pior é que com tudo isso as usinas ficam sem liquidez. A nossa maior preocupação é que isso compromete o pagamento de toda a cadeia. Atualmente, a maior preocupação das usinas é ter caixa para honrar os compromissos, até para nós que somos controlados estamos vendo tudo isso como um futuro incerto, pois não sabemos o que pode acontecer daqui a uma semana”.

CBios

Os CBios podem funcionar como indutor de equilíbrio competitivo entre os combustíveis fósseis e renováveis se forem cotados com maiores valores em momentos de preços do petróleo baixo, de forma a garantir a competitividade dos biocombustíveis e estimular a sua produção.

O valor do CBio seria o necessário para igualar o custo de produção do biocombustível, sendo o seu valor determinado, dentre outras variáveis, pelo preço do petróleo, pois ele altera a dinâmica de oferta e competitividade no mercado de combustíveis.

Para o setor sucroenergético, os possíveis reflexos, em um primeiro momento, são a elevação do endividamento setorial, a interrupção nos investimentos e conseqüente queda de produtividade. A médio prazo, serão a saída de players e intensificação de movimentos de fusão e aquisição.

De acordo com Tonielo Filho, as distribuidoras estão fazendo um lobby forte e pressionando o MME (Ministério de Minas e Energia), alegando que estão com uma dívida de cinco meses de CBios, mas não sabem o valor porque os CBios ainda não estão valendo na bolsa e nem como será esse mercado. “As distribuidoras estão pressionando o governo e o ministério para até junho essa dívida, que já existe para elas e não sabem o quanto, ser isenta”, disse Tonielo Filho.

Pádua: “Não há preço nem demanda de etanol, por enquanto, esperamos que o mercado se ajuste, mas é preciso acompanhar a normalização da demanda”