Um incremento significativo para o setor

07/03/2022 Noticias POR: FERNANDA CLARIANO


Hugo Bruno Correa Molinari - pesquisador da Embrapa Agroenergia

 

Um incremento significativo para o setor

 

Pesquisadores da Embrapa Agroenergia (DF) desenvolveram as primeiras canas editadas consideradas não transgênicas do mundo.

São as variedades Cana Flex I e a Cana Flex II que apresentam, respectivamente, maior digestibilidade da parede celular e maior concentração de sacarose nos tecidos vegetais. A reportagem da Revista Canavieiros conversou com o pesquisador Hugo Bruno Correa Molinari para saber um pouco mais sobre essas variedades e o que elas podem representar para o setor. Confira!

Revista Canavieiros: Por que as variedades Flex I e Flex II desenvolvidas pela Embrapa são consideradas as primeiras canas editadas não transgênicas do mundo?

Hugo Bruno Correa Molinari: A tecnologia CRISPR/Cas de edição de genomas já tinha sido empregada em cana-de-açúcar por um grupo de pesquisa da Universidade da Flórida/EUA, entretanto, a estratégia utilizada por eles gerou plantas consideradas transgênicas. No caso das variedades de cana Flex I e Flex II, utilizamos uma estratégia onde a tecnologia CRISPR/Cas permitiu a edição do genoma da cana sem a incorporação de qualquer sequência gênica advinda de outros organismos. Assim, com a aplicação da edição genômica nestas variedades, obtivemos canas com as características de interesse alterada similar ao que ocorre em uma mutação natural. Os primeiros eventos editados de cana foram aprovados pela CTNBio (Comissão Técnica Nacional de Biossegurança), segundo a Resolução Normativa Nº 16, no dia 9/12/2021.

Revista Canavieiros: Foi quanto tempo de pesquisa para se chegar às características dessas variedades? Poderia, por favor, falar sobre essas características?

Molinari: As pesquisas para aumento da digestibilidade da biomassa e para aumento de sacarose tanto em espécies modelo (Setaria viridis) quanto em cana-de-açúcar somam mais de 12 anos. O emprego da edição genômica propriamente dita começou em 2018 quando a ferramenta ganhou destaque no cenário da pesquisa agropecuária mundial. Neste ano, a Diretoria Executiva da Embrapa definiu o tema como prioridade e induziu o desenvolvimento de projetos com a tecnologia CRISPR/Cas por meio de edital com foco em edição genômica. Felizmente, nossa equipe da Embrapa Agroenergia juntamente com os times da Embrapa Soja, Embrapa Milho e Sorgo, Embrapa Arroz e Feijão e UMiP GenClima, aprovou o projeto CRISPRevolution visando à produção de variedades/cultivares de cana-de-açúcar, soja, milho e feijão editados em relação a diversas características de interesse agrícola.

Revista Canavieiros: O que diferencia a Cana Flex I da Cana Flex II? Quais as vantagens de cada uma?

Molinari: As variedades Cana Flex I e a Cana Flex II, apresentam, respectivamente, maior digestibilidade da parede celular e maior concentração de sacarose nos tecidos vegetais. A Cana Flex I é fruto do silenciamento do gene responsável pela rigidez da parede celular da planta. Essa estrutura foi modificada e apresentou maior “digestibilidade”, ou seja, maior acesso ao ataque de enzimas durante a etapa da hidrólise enzimática, processo químico que extrai os compostos da biomassa vegetal. Já a segunda variedade, Flex II, foi gerada por meio do silenciamento de um gene nos tecidos da planta que ocasionou um incremento significativo na produção de sacarose.

Revista Canavieiros: Essas variedades respondem aos desafios enfrentados pelo setor?

Molinari: São duas características importantes para o setor sucroenergético que acabam auxiliando no aproveitamento integral da biomassa, seja para produção de etanol 1G, etanol 2G, açúcar e bioprodutos associados.

Revista Canavieiros: Em ambas pesquisas foram usadas a técnica da edição genômica CRISPR que utiliza a enzima Cas9. Fale sobre essa tecnologia.

Molinari: Exatamente. Utilizamos a ferramenta biotecnológica CRISPR/Cas9, mais especificamente a metodologia RNP - Ribonucleoprotein. Essa abordagem permitiu que gerássemos variedades consideradas não transgênicas, pois tal estratégia não incorpora DNA de outros organismos no genoma da cana-de-açúcar. Outro ponto importante que cabe salientar é que não foi observada presença de off-targets, ou seja, mutação gerada em outros genes que não os alvos para Flex I e Flex II no genoma da cana.

Revista Canavieiros: Essa ferramenta biológica abre o caminho para o desenvolvimento e entrega de outras cultivares para o setor produtivo? Ela pode favorecer os programas de melhoramento de outras culturas?

Molinari: Sim, no contexto da agricultura brasileira, a incorporação da tecnologia CRISPR/Cas de edição genômica nos programas de melhoramento, seja ele vegetal, animal ou com microrganismos, é uma tecnologia
“Game Changer”. A principal implicação do fato de se obter um organismo editado por meio de edição genômica está na eliminação das etapas de aprovação regulatória as quais são submetidos os organismos transgênicos. Desta forma, a adoção da edição genômica torna o mercado de cultivares/variedades mais justo e competitivo, uma vez que empresas públicas e nacionais ou startups estarão com condições de participarem da mesma forma que as grandes multinacionais.

Revista Canavieiros: Em relação ao açúcar e as folhas, o que pode ser observado nessas variedades?

Molinari: Até o momento temos observado incrementos consistentes de sacarose da ordem de 15% no caldo e também aumentos significativos de açúcares nos tecidos foliares, além do aumento da “digestibilidade” ou sacarificação das biomassas. Cabe salientar novamente, que estes resultados promissores são fruto de mais de 12 anos de dedicação e comprometimento de um grande time de pesquisadores, analistas, bolsistas e estagiários.

Revista Canavieiros: Quais são os benefícios que essas variedades trazem para a indústria?

Molinari: Como dito anteriormente, a Cana Flex I é fruto do silenciamento do gene responsável pela rigidez da parede celular da planta. Essa estrutura foi modificada e apresentou maior “digestibilidade”, ou seja, maior acesso ao ataque de enzimas durante a etapa da hidrólise enzimática, processo químico que extrai os compostos da biomassa vegetal. Já a segunda variedade, Flex II, foi gerada por meio do silenciamento de um gene nos tecidos da planta que ocasionou um incremento significativo na produção de sacarose. A melhoria nestas características impacta positivamente o setor. A variedade Cana Flex I e a Cana Flex II ganharam uma análise sobre cenários de adoção e avaliação de impactos econômicos no setor sucroenergético para mais informações.

Revista Canavieiros: Os recursos da pesquisa foram da Embrapa?

Molinari: Sim. A Diretoria Executiva da Embrapa, de forma acertada, definiu o tema como prioridade e financiou o desenvolvimento deste projeto envolvendo a tecnologia CRISPR/Cas. Essa ação permitiu formar massa crítica dentro de uma rede de unidades da empresa que já começa colher frutos com a cana, entretanto, ainda neste ano apresentaremos as primeiras sojas editadas e na sequência milho, feijão e cana para a característica tão esperada pelos setores de tolerância à seca.

Revista Canavieiros: Essas variedades já estão disponíveis no mercado?

Molinari: Por enquanto, não estamos licenciando ou transferindo as variedades, pois precisamos finalizar as devidas caracterizações a campo. Acabamos de receber autorização da CTNBio (10/12) para plantio dos mesmos em nossa área experimental. Além disso, neste meio tempo temos que garantir o devido registro do material no RNC/MAPA, para que legalmente possamos transferir as variedades aos interessados.

Da esquerda para a direita a Cana Flex I aparece no bloco do meio e ao lado, a Cana Flex II. As fotos foram tiradas na área experimental da Embrapa Agroenergia, na Fazenda Sucupira, em Brasília/DF