Um olho na pandemia e outro no pós-crise

07/07/2020 Agronegócio POR: Diana Nascimento

Coronavírus traz impactos e oportunidades para o agronegócio

Os principais assuntos ao assistir qualquer noticiário pela TV, sites de notícias e jornais são: entraves políticos, crise financeira e os últimos fatos sobre o coronavírus pelo mundo.

No meio disso tudo está o agro. A produção agropecuária nacional alimenta mais de 1.6 bilhão de pessoas, o que equivale a 20% da população mundial.

Como todos os setores econômicos e produtivos estão sendo afetados pela pandemia, o agronegócio nacional também tem os seus desafios. E esse foi o tema do Fórum Virtual Datagro, Band News e Terra Viva, que contou com a participação da ministra do Mapa (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento), Tereza Cristina, a presidente da SRB (Sociedade Rural Brasileira), Teresa Vendramini, e o diretor da Datagro, Plínio Nastari.

Tereza Cristina abriu o evento dizendo que vivemos um momento totalmente diferente, e que muitos de nós nunca pensou em passar por isso. Ela destacou que o setor de agricultura está com uma produção muito boa. "Não temos problema, mas o nosso desafio maior é o abastecimento da população e o cumprimento de nossos contratos comerciais com o mundo", disse ao mencionar que essa pandemia irá passar e a reputação do Brasil é muito importante, bem como a confiança que os compradores externos têm no mercado brasileiro.

"O abastecimento sempre nos preocupa não pelo volume ou pelos produtos que estão armazenados e sendo processados, a preocupação é a logística entre todos os elos da cadeia. Todos sabem que colhemos uma safra recorde e a safra de verão está em curso e sendo plantada. O nosso desafio é essa mão dupla, de produzir e escoar a produção para onde precisa ser armazenada e processada até chegar às prateleiras dos supermercados e, também, a importância da chegada dos insumos dentro da porteira para que todos os produtores possam plantar e cumprir o planejamento agrícola da safrinha de inverno", observou a ministra.

Sobre o abastecimento, Tereza Cristina pontuou que houve uma descontinuidade pequena em algumas cadeias produtivas já sanadas. "Há preços subindo e estamos acompanhando porque não há motivos para isso. Temos um gabinete de monitoramento do abastecimento, um comitê de monitoramento da crise e não temos nenhum produto que esteja com risco de não chegar aos supermercados", afirmou.

Sanidade

Já a presidente da SRB, lembrou que o Brasil produzirá mais de 240 milhões de toneladas de grão, um recorde histórico. "A soja passará de uma produção de 120 a 125 milhões de t e o Brasil é o segundo maior exportador mundial", elencou Teresa Vendramini.

Porém, dentro desse momento histórico e de grande produtividade, apareceu o coronavírus, que implicou em uma crise totalmente transformadora. "Temos percebido que essa é uma crise de sanidade humana e animal muito grande. É uma crise em que estamos pensando muito na segurança do alimento mundial e nacional. Temos pensado nessa consistência do controle sanitário aqui no Brasil, o que está nos fazendo rever muitas coisas e ficarmos atentos", sinalizou.

Para ela, o Brasil já é organizado neste aspecto, pois possui produtos de qualidade e é auditado. "Acho que vamos passar por isso juntos com a ajuda do governo de alguma maneira. Está sendo difícil para o produtor rural, principalmente para o pequeno. Estamos num momento de adequação, mas acredito que ele está preparado", disse a executiva.

Fórum Virtual contou com a participação da ministra do Mapa (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento), Tereza Cristina, da presidente da SRB (Sociedade Rural Brasileira), Teresa Vendramini, e do diretor da Datagro, Plínio Nastari

Outra crise no setor sucroenergético

Nastari, por sua vez, disse que acompanha todos os mercados e que a área de grãos está funcionando, a pecuária caminha e a agricultura familiar, embora com vários desafios, vem conseguindo superar esse momento.

"Mas há um setor que é crítico no Brasil e está tendo um problema, que é o setor da cana-de-açúcar, porque cana, no fundo, é energia que não se consegue armazenar", observou.

A safra da região Centro-Sul iniciou-se no mês de abril. Um dado importante é que o etanol, na safra passada, representou 2/3 da produção e, assim como o biodiesel, implica numa parcela importante do nosso abastecimento de combustíveis. "No ano passado o etanol substituiu 46% da gasolina e o biodiesel hoje substitui 12% de diesel fóssil", esclarece Nastari.

Infelizmente, esses setores estão enfrentando uma crise dupla: queda de preço muito acentuada e queda do consumo. No caso do etanol, no mês de março houve uma queda de quase 60%.

"A questão não é só a queda de preço, é também a queda de volume consumido", enfatizou Nastari. Diante disso, ele perguntou para a ministra como o governo vê essa situação e que medidas, eventualmente, têm sido estudadas para contornar esse problema do setor da cana-de-açúcar que é tão crítico e tão estratégico para o Brasil.

A ministra respondeu que existe uma preocupação enorme por parte do Mapa sobre o setor da cana-de-açúcar desde o primeiro momento. "Nos reunimos várias vezes com lideranças do setor, conversando sobre como diminuir os impactos para esse setor importantíssimo para o Brasil que passa por esse momento difícil e também pela tempestade mais que perfeita devido à briga entre a Arábia Saudita e a Rússia, que jogou os preços do petróleo para baixo, algo jamais visto. A crise da demanda por conta da quarentena e do distanciamento social pegou justo na hora da colheita. A cana não pode esperar, ela precisa ser colhida e processada em 48 horas para fazer o etanol ou ter a opção do açúcar, mas não dá para inundarmos o mundo de açúcar, pois vivemos um  momento de preços muito baixos para o produto", avaliou Tereza Cristina.

Ela também admitiu que o setor contribui significativamente para a balança comercial brasileira, ainda mais com o dólar alto, e o governo não pode deixar que o setor tenha prejuízos. "É nessas horas que a gente precisa do Estado. Hoje temos uma economia liberal, o ministro Paulo Guedes tem privilegiado a abertura de nossa economia para que ela esteja cada vez mais na mão da iniciativa privada, mas nessa hora a mão do governo tem que entrar para ajudar setores que estão com problemas", defendeu.

Segundo a ministra, há três pedidos e isso não é um assunto somente do Mapa, é algo transversal. "A produção da cana está dentro do Ministério da Agricultura, mas o resto da cadeia está no Ministério de Minas e Energia", explicou.

O ministro Bento Albuquerque também demonstra preocupação com o setor, tanto que os dois ministérios estão propondo e estudando medidas para que o setor tenha tranquilidade para colher a cana, não deixá-la em pé e planejar a próxima safra. "Acho que o Brasil tem que enxergar o pós-crise. No Mapa estamos fazendo isso, temos um grupo de pessoas da iniciativa privada e do setor público estudando formas de como sair disso e quais vantagens o país pode ter", apontou Tereza Cristina.

Entre as medidas que podem ser adotadas estão o aumento da Cide na gasolina, a retirada do PIS/Cofins do etanol por um período, além de discussão com o Banco Central, o BNDES e  outros bancos sobre a warratagem, ou seja, fazer por um ano ou mais a estocagem do etanol. O grande desafio, de acordo com Tereza Cristina, são os juros. "Infelizmente, na hora da crise, os bancos e as instituições financeiras ficam sem apetite nenhum para o risco. Eles não estão baixando os juros como o governo baixou, pois com uma Selic de 3,75% e juros de 9%, 11%, as taxas são exorbitantes, principalmente no médio prazo", elencou a ministra, dizendo ainda que a discussão sobre uma linha de crédito para fazer o warrant do etanol é um fator importante para que a operação não seja onerosa a ponto de não valer a pena.

Vale destacar que antes da pandemia, o Mapa trabalhou para a abertura de novos mercados para o setor sucroenergético nacional. Havia a esperança de que no próximo ano o etanol chegasse à China, à Índia e em outros países, tendo equilíbrio necessário para que o produto virasse uma commodity internacional.

"Não podemos deixar de perseguir esse cenário pós-crise porque o vejo com grande esperança, não podemos matar a nossa galinha dos ovos de ouro agora. A nossa briga agora é contra o tempo", frisou Tereza Cristina.

Setor enfrenta queda no consumo de etanol

Pós-crise e oportunidades

A ministra sinalizou que estão sendo estudados cenários pós-crise com grandes oportunidades para o Brasil. 

Embora a situação seja uma incógnita para todos, é preocupante o que está acontecendo nos EUA, quando o seu maior frigorífico de carne suína foi fechado porque 50% de seus colaboradores foram contaminados com a Covid-19.

"No Brasil estamos tomando todas as precauções, pois neste setor os seus funcionários já trabalham com EPIs mais apropriados do que em outras cadeias, usam roupas lavadas e higienizadas em lavanderias existentes nos próprios frigoríficos, usam máscaras, toucas e luvas. Estão todos protegidos e fazendo distanciamento nas filas, nos refeitórios, diminuindo o número de pessoas nos vestiários. Enfim, foi montado um protocolo para que os seus funcionários corram o mínimo risco, estão fazendo o possível para que esse setor tão importante não sofra o que está acontecendo nos EUA", exemplificou.

Isso pode impactar inclusive a safra americana, que começou a ser plantada. Na Europa, a safra ainda se iniciará, e o ir e vir das pessoas entre os países também está prejudicado. A França, que é uma grande produtora, assim como a Alemanha e a Holanda, também está com níveis muito altos da doença.

Pós-crise será oportunidade para o agro nacional

"Estamos acompanhando esses fatos que podem trazer para o Brasil alguns cenários diferentes de suprimentos necessários para muitos países do mundo. 20% de nossas carnes vão para a China. Não temos países amigos, temos interesses. É isso que se aprende quando se estuda Comércio Internacional. Como vamos abrir mão de um mercado que tem 1,3 bilhão de pessoas? A Índia também tem uma população alta e enormes dificuldades estruturais para receber nossas exportações. Temos que diversificar a nossa pauta de exportações para o mundo, o que tem sido feito e também diversificar os nossos parceiros", afirmou a ministra.

Mesmo com a pandemia, as exportações brasileiras do mês de março de produtos agrícolas tiveram aumento de 13%. "O agro ajudou a nossa balança comercial mais uma vez e contribuirá no pós-crise. Nenhum outro país tem a nossa capacidade  para produzir alimentos com qualidade, sustentabilidade e tecnologia. Juntos sairemos mais fortes e poderemos reconstruir o Brasil de uma maneira melhor do que estava sendo feita", finalizou Tereza Cristina.

Mesmo com a pandemia, as exportações brasileiras do mês de março de produtos agrícolas tiveram aumento de 13%