Entrevista: Roberto Padovani, economista-chefe do Banco BV
China e dólar. A entrevista com Roberto Padovani se baseou sobre como ele enxerga as tendências em cima desses dois fundamentais temas para a economia brasileira.
Quando o assunto foi o país asiático, o futuro é amplamente promissor, principalmente olhando pelo lado do agronegócio. Isso porque ele acredita numa relação bem próxima entre os dois países, na qual serão exportados alimentos e energia (o etanol entra nisso) e a China surgirá como um dos principais investidores no plano de desenvolvimento da infraestrutura nacional.
Na prosa sobre o câmbio, Padovani vê as coisas não tão fáceis. Para o dólar cair e se manter estável, ele amarra a estabilidade fiscal do governo e os rumos que os Estados Unidos irão tomar ao reeleger Donald Trump ou com a ascensão do democrata Joe Biden à Casa Branca.
O economista, que representa um banco de investimentos, também comenta se colocaria dinheiro no mercado de assepsia, aberto às unidades industriais com a explosão da pandemia. Confira!
Revista Canavieiros: Em relação ao câmbio, o governo ainda está em pé com seu propósito de segurar o dólar abaixo dos R$ 6,00?
Roberto Padovani: O governo não tem tido o compromisso com um nível de câmbio de R$ 5,00 ou R$ 6,00, as atuações feitas pelo Banco Central têm como objetivo evitar oscilações excessivas num período muito curto. Isso não significa que o governo não esteja preocupado com o câmbio, ele é uma variável macroeconômica importante, afeta o custo das empresas e a confiança dos agentes econômicos.
Nesse sentido, eu vejo que o objetivo é criar um ambiente econômico de mais estabilidade e previsibilidade. Hoje, o principal tema é sinalizar que o país não vai entrar numa trajetória explosiva de dívida pública, ele tem que controlar os seus gastos necessários durante a pandemia, mas evitar que eles avancem de maneira importante em 2021.
Revista Canavieiros: É correto o raciocínio de que então o andamento das reformas (tributárias, administrativa, entre outras) será um fato importante nesse momento de retomada da economia?
Padovani: O objetivo do governo hoje é criar um ambiente de estabilidade e assim conseguir a retomada do crescimento. Para isso, é fundamental que a agenda de reformas continue andando.
Revista Canavieiros: Há alguma chance de uma quantidade significativa do capital estrangeiro, que fugiu ao longo do primeiro semestre, voltar a pisar em terras brasileiras antes das eleições presidenciais norte-americanas?
Padovani: A volta do fluxo de capitais depende basicamente de um ambiente local e global de menor risco. Globalmente isso tem muito a ver não só com a superação da pandemia e com a retomada econômica, mas também com o processo eleitoral nos Estados Unidos que tende a ser competitivo e com isso gerar volatilidade, portanto, não deve acontecer antes do final do ano.
Do ponto de vista local, como já disse, tudo vai depender de um ambiente de estabilização fiscal, o que também não vejo acontecer antes do final do ano.
Assim, quando se olha o ambiente global e local, tudo leva a crer que tenhamos um ambiente de risco, o que atrapalha o ingresso de capitais no Brasil. Diante disso, as chances dos fluxos poderem voltar para o país são somente a partir de 2021.
Revista Canavieiros: Ainda sobre as eleições nos Estados Unidos, há um cenário que se o Trump conseguir a reeleição continuaremos navegando em mares instáveis, isso pensando no humor dos investidores. Qual será o fluxo do capital, pelo menos dos primeiros meses, em caso de vitória do democrata Joe Biden?
Padovani: Nesse momento o cenário mais importante não é nem tanto a agenda de democratas e republicanos, o que está em jogo é a imprevisibilidade, o fato de não saber o resultado eleitoral e não conhecer o plano de governo de um candidato ou outro.
À medida que a eleição seja superada, o risco de investimento irá reduzir simplesmente por melhorar a previsibilidade das condutas.
Revista Canavieiros: O senhor acredita que numa eventual eleição dos democratas a guerra comercial com a China possa ser amenizada?
Padovani: A questão geopolítica entre Estados Unidos e China depende menos de uma pauta partidária, isso é uma questão do país, ou seja, tanto democratas como os republicanos concordam com a imposição de restrições para a entrada de produtos chineses.
Dito isso, mesmo que os democratas saiam vitoriosos, ainda assim esse cenário, que chamo de “Crise do Pacífico”, permanecerá.
Revista Canavieiros: Nos últimos meses, a quantidade de açúcar enviado para a Ásia cresceu monstruosamente porque a salvaguarda para o produto caiu no final de maio. Os chineses manterão essa rota aberta até conseguirem regular seus estoques? Ou dá para manter alguma esperança de que essa medida perdure por safras a fio?
Padovani: Eu não conheço bem o caso do açúcar, assim vou fazer uma avaliação mais geral. Com a tendência de que o conflito entre Estados Unidos e China perdure por muitos anos, o Brasil tem se tornado um parceiro estratégico da China.
A missão do Brasil é ajudar a China a conquistar a sua segurança alimentar e energética e por isso não faz muito sentido do ponto de vista chinês manter o país afastado.
O interessante para a China é aumentar a integração entre os dois países, embora tenhamos ruídos políticos pontuais. Tradicionalmente os chineses avaliam cenários de longo prazo, as estratégias são definidas para durar muito tempo e isso explica o grande interesse deles em investir na infraestrutura local. Na verdade estão de olho na redução de custos, então, essa integração comercial tende a crescer ao longo dos anos, o que significa mercados abertos.
Revista Canavieiros: Indo para o petróleo, o senhor acredita que pode haver risco de um novo tropeço nos preços, parecido com o que aconteceu no início da pandemia?
Padovani: O segundo semestre deste ano tende a ser turbulento, o que atrapalha a normalização em todos os mercados globais, inclusive do petróleo. A avaliação nossa é que ao olharmos para 2021, vemos uma retomada da demanda global, o que faz com que os preços de petróleo tendem a convergir para a sua média de US$ 50/barril, algo visto nos últimos cinco anos.
Revista Canavieiros: Com a explosão da pandemia, as unidades sucroenergéticas foram liberadas para produzirem etanol para assepsia. Como economista líder de um banco que atua no mercado financeiro, numa escala de 0 a 10, (sendo zero não colocar um tostão nesse negócio), quanto apostaria nele?
Padovani: Eu acho que não tem uma nota única. Se considerar 2021, colocaria uma nota sete ou oito, que é alta, porque a saída da pandemia será complexa e o álcool em gel se manterá como um item importante.
Mas, à medida em que a situação for se normalizando, o mercado naturalmente apresentará taxas normais de crescimento. Então, pensando num prazo de cinco anos, daria nota três ou quatro porque considerando a questão de mudança de hábito, o consumo, em parte, se manterá ativo, não vejo ele zerando.