Uma visão realista de toda a cadeia do setor sucroenergético

08/07/2020 Agronegócio POR: Fernanda Clariano

Com exposições concisas e objetivas em encontro virtual, especialistas da cadeia produtiva sucroenergética elucidaram os desafios e tendências do setor diante da crise

O setor sucroenergético vem passando por uma situação desafiadora com alguns pontos que merecem destaque em termos das respostas possíveis e, uma delas, fato comprovado, é que essa safra vai ter mais açúcar em contraste com as duas últimas safras e uma menor produção de etanol.

Sabemos que este setor tem capacidade de estocagem e flexibilidade para alterar o seu mix de produção de acordo com o mercado além do que, tem várias unidades que só produzem etanol. Neste ano, o setor enfrenta uma das suas piores crises, tendo em vista a mundial que se instalou devido à pandemia do coronavírus e à queda expressiva nos preços do petróleo, que derrubou os preços da gasolina no mercado interno, reduzindo a competitividade do etanol e empurrou os preços do biocombustível no mercado interno para baixo.

Para debater os desafios e as tendências para a cadeia produtiva sucroenergética diante da crise, a Agrobrain o Grupo IDEA promoveram no dia 5 de maio uma videoconferência com o objetivo de multiplicar informações úteis para o setor que tanto precisa de informações e um rumo nesse momento.

O encontro virtual reuniu expoentes que atuam em toda a cadeia do agronegócio sucroenergético: Dib Nunes diretor do Grupo IDEA, Oswaldo Junqueira Franco, sócio da consultoria Agrobrain, mais cinco outros especialistas do setor, entre eles Tiago Medeiros, diretor-presidente da Czarnikow Brasil; Carlos Eduardo Turchetto Santos – CEO da CMAA (Companhia Mineira de Açúcar e Álcool); Cid Jorge Caldas – coordenador geral de cana-de-açúcar e Agroenergia do MAPA (Ministério de Agricultura, Pecuária e Abastecimento); Alexandre Cândido – CEO da ACP Bioenergia, e Andy Duff – gerente do departamento de pesquisa setorial do Rabobank Brasil.

Principais tendências e perspectivas do setor sob o ponto de vista de mercado

A palavra “crise”, na cadeia produtiva ou no setor sucroenergético, tem sido amplamente utilizada para indicar situações, desde o fluxo de caixa negativo até a redução da produção física em parte das indústrias, o alto endividamento superando as receitas ou o fechamento de fábricas.

Andy Duff, gerente do departamento de pesquisa setorial da Rabobank Brasil

Com a implementação de medidas de restrição de movimentação, acompanhamos uma queda da demanda de combustíveis tanto no Brasil quanto no resto do mundo e isso arrastou os preços de petróleo para valores abaixo de 20 dólares por barril.

Duff também afirmou que têm empresas com baixa capacidade de tancagem e espera que o governo não abandone o setor. 

O especialista analisou ainda que o problema mais grave no Brasil no momento não é necessariamente o preço de gasolina e sim a falta de demanda. “Mesmo com o fim da quarentena é precoce dizer que as pessoas voltarão rapidamente para a atividade normal. Talvez tenhamos que contar com consumo reduzido um ‘tempinho’ mesmo depois do fim da quarentena”, disse Duff.

Segundo o representante da Czarnikow, Thiago Medeiros, a expectativa de queda de consumo de etanol neste ano certamente será equilibrada pela redução do mix de produção alcooleiro. “Não teremos excesso de oferta e impacto nos preços. Não creio também que usinas irão paralisar suas atividades e deixar a cana sem colher por falta de capital de giro, pode ocorrer em outro caso, mas pouco afetaria a oferta de produto pelo setor”. Ainda conforme Medeiros, a recuperação do consumo de açúcar será lenta e por isso as usinas estão preferindo produzir este produto. “O preço desta commoditie embora esteja ao redor de 10 centavos de dólar por libra peso, se fizermos a conversão, veremos que o preço não está ruim. O Brasil, nesse momento, somente poderia surpreender o mercado para uma alta significativa, se produzir e exportar menos, mas isso tem pouca possibilidade de acontecer”.

Logística, armazenamento e exportação de açúcar

Por outro lado, segundo o presidente da Trade Czarnikow, em relação ao risco de demanda, de novembro para cá o panorama mundial mudou significativamente, pois houve uma safra menor no hemisfério Norte - especificamente Tailândia e Índia, o que levou a uma concentração nas compras no produto brasileiro para suprir o mercado internacional. A demanda por açúcar brasileiro cresceu significativamente, o que de alguma forma é uma boa notícia por conta do aumento da perspectiva de exportação.

Tiago Medeiros, diretor-presidente da Czarnikow Brasil: “Acredito que devemos ter embarques mensais bem próximos do recorde da ordem de 2,2 milhões a 2,3 milhões de toneladas por mês no Centro-Sul do Brasil. Algumas refinarias no mundo tiveram que fechar devido ao lockdown que aumentou a demanda por açúcar branco. Do ponto de vista da demanda uma boa notícia a fila de navios no porto de Santos deve crescer semanalmente. Na primeira semana de maio, o embarque previsto devido à fila de navios estava na ordem de 1,5 milhão de toneladas, com expectativa para o mês de 2,3 milhões de toneladas”

O CEO da Czarnikow Sugar Brasil também destacou os problemas na logística do carrego do açúcar, pois houve um grande atraso na contratação desta fase, uma vez que ninguém previa esta virada de mercado. Agora as empresas produtoras e as tradings vão ter que linearizar o transporte para exportação, pois os armazéns no porto estão lotados de grãos que serão escoados gradativamente.

Outro ponto importante é o head feito pelas usinas garantindo preços competitivos em grande parte da safra. Esta tendência deve permanecer neste ano a partir do momento em que os preços apresentarem melhores margens. A demanda de liquidez do setor aumentou para carregar estoques, principalmente de etanol. Precisamos também de capital para plantar cana, pois temos probabilidade de bons preços ainda no próximo ano, por isso, esperamos que não deixem de plantar e tratar a cana, pois vamos precisar desta matéria-prima.

Do ponto de vista de produção industrial, a CMAA (Companhia Mineira de Açúcar e Álcool), por meio do seu presidente destacou que já havia virado o seu mix e, desde dezembro, a companhia obteve margens expressivas no açúcar. “Fixamos o preço do  açúcar antes que já havia virado para o max sugar antes do Covid-19, porém com o etanol, por exemplo, não foi possível fazer como fizemos com o açúcar que travamos o preço. Acreditamos que este ano vai ser max sugar para todas as usinas que conseguem produzir açúcar nos seus mix. Aquelas que não conseguem,  que são só destilarias, vão passar mais apertado, sofrerão mais este ano”, destacou Santos.

As perspectivas de como estão reagindo às incertezas do momento e como isso pode afetar não apenas a CMAA (Companhia Mineira de Açúcar e Álcool), mas outros players foram abordados pelo CEO da Companhia.

A CMAA montou um comitê de risco, que os levaram a investir na contratação de dois tanques de 20 milhões de litros - totalizando 40 milhões de litros e isso garantiu o armazenamento da produção até meio de setembro.  A companhia está trabalhando 24 horas por dia para não atrapalhar a estratégia de carregamento de etanol.

“Além da contratação de dois tanques rápidos há um mês, postergamos  todos os investimentos não necessários para operação, suspendemos tudo o que tinha de investimento não necessário para o curto prazo, no resto a companhia continua normal e estamos aguardando conseguir uma visão um pouco mais a longo prazo de como a Covid-19 vai se comportar nos próximos meses para voltarmos ao ritmo normal de investimento”, assegurou Santos.

Outro aspecto importante para essa postergação de investimento é a preservação de caixa. Segundo Santos, a CMAA sempre trabalhou com uma política de risco com liquidez alta.

Carlos Eduardo Turchetto Santos, CEO da CMAA - Companhia Mineira de Açúcar e Álcool: “Vínhamos há uns três anos consecutivos acessando o mercado de capitais, felizmente estava dentro da nossa programação a emissão de CRA no final do ano que acabou fechando em fevereiro – a companhia fez uma captação alta e estamos preservando o caixa para atravessar este momento e carregar o etanol o máximo possível”

Ainda de acordo com Santos, do ponto de vista de endividamento, a companhia não assume dívida em dólar desde 2015, pois a correlação tanto do açúcar quanto do dólar fica forte em momentos de estresse.

O ponto de vista do produtor de cana

O CEO da ACP Bioemergia, maior fornecedora de cana do Brasil, que tem uma perspectiva privilegiada do que está acontecendo nas diferentes localidades, também participou do bate-papo e comentou sobre os riscos para os produtores.

Alexandre Cândido, CEO da ACP Bioenergia: “Sem sombra de dúvidas o grande risco neste momento é o recebimento pelas usinas do fornecimento de cana. Acredito que esse seja um dos pontos de maior preocupação. O outro com certeza é o preço - como fornecedores de cana não temos domínio nenhum sobre ele”

Cândido também destacou como a ACP está trabalhando e as medidas que têm adotado. “Vínhamos de uma gestão forte de caixa, buscamos junto aos bancos quitar todos os compromissos que tínhamos, fazendo novas operações de reposição, alongando isso para 2021 adiante. Buscamos como sustentabilidade para o nosso negócio a produtividade e longevidade. Esses dois temas, esses dois indicadores são focados por nós constantemente e aí obviamente tecnologias são adotadas em cima desses critérios, mas são de implantação longa. Você não consegue rapidamente obter tecnologias imediatas que tragam algum tipo de retorno à redução de custo e produtividade no curto prazo”, afirmou.

A posição do governo

Cid Caldas, Ministério da Agricultura: “O meu sentimento é que tenhamos no mais curto espaço de tempo uma notícia que seja boa pra todo mundo”

Representando o Ministério da Agricultura, Cid Caldas passou um pouco da visão do ministério e do governo para o momento em que o setor atravessa, bem como uma posição provável do governo, que é a emissão de títulos com possibilidade de serem adquiridos pelo próprio governo - o que ajudaria demais o setor que valeria as usinas que tivessem estoque de cana para dar em garantia e isso seria uma grande oportunidade.

“Temos discutido com colegas de esplanada, de outros ministérios, principalmente o de Minas e Energia e da Economia, algumas possibilidades que o próprio setor já colocou como uma demanda, um financiamento para o carregamento do estoque de etanol – isso está bem avançado com a PEC da Guerra, que foi aprovada em primeiro turno na Câmara e vai permitir uma ação do Banco Central. Ou seja, a ideia é que o produtor possa emitir títulos lembrando que já vai ser permitido que usina que processa, os títulos serão lastreados com essa matéria-prima ou produção e o Banco Central com essa PEC aprovada poderia entrar adquirindo parte desses títulos”, informou.

Caldas mencionou também outra proposição do setor que é uma tributação, um imposto de importação tanto no etanol como na gasolina, lembrando que o etanol está com imposto, tem uma cota determinada 750 milhões de litros, mas termina em agosto. A seu ver, a questão do imposto da gasolina (CIDE) é muito controversa, pois a própria Petrobras é contra e já se manifestou.

Outro pedido do setor era uma isenção de PIS/Cofins e Caldas reforçou que estavam e estão estudando firmemente, porém com poucas chances de ser aprovada.

Mas qual seria a saída do setor enquanto não chega a ajuda do governo? Até porque não se sabe quanto tempo essa ajuda vai demorar.  Para o CEO da Czarnikow Brasil, todos os participantes da cadeia precisam se unir e ajudar o setor e está sendo feito. Segundo ele, as trades estão se mobilizando para prover capital para carrego de produto tanto de açúcar quanto de etanol e acredita que os bancos de forma geral também estão nesse momento se apoiando. 

Visão da organização

Para o presidente do Grupo IDEA ficou bem claro durante a videoconferência que o setor está bem mais robusto, mais forte, maduro quanto ao mercado e preparado para uma retomada. Ele acredita que é muito importante pensar em como produzir cada vez melhor para ganhar competitividade em seus produtos finais e somente assim é possível enfrentar períodos de crise. 

Na avaliação do executivo da Agrobrain, a videoconferência contribuiu para uma melhor coordenação dos diferentes elos da cadeia produtiva para atuarem como um conjunto, submetendo as suas necessidades ao governo para que possam ser atendidas na maior velocidade possível.

 

Oswaldo Junqueira e Dib Nunes