Especialistas discutem a evolução tecnológica do manejo fitossanitário na agricultura
A Fonte Agro, plataforma especializada em comunicação, marketing, serviços e treinamentos para o agronegócio, realizou uma live sobre a evolução tecnológica e a segurança no uso de defensivos com a participação do pesquisador Hamiltom Ramos, do Centro de Engenharia e Automação do IAC; Leoni Leite, supervisor de assuntos regulatórios na Jacto; Maurício Fernandes, Product Stewardship e Sustentabilidade da Basf; Roberto Araújo, líder da área de Educação e Boas Práticas da CropLife Brasil, e Raul Casanova Júnior, da Animaseg (Associação Nacional da Indústria de Materiais de Segurança e Proteção ao Trabalho).
O evento virtual começou com Araújo, que abordou a evolução tecnológica e a segurança no manejo fitossanitário. Para ele, o desafio da agricultura no Brasil é suprir a crescente demanda mundial não apenas por alimentos, mas também em matéria-prima para cosméticos, medicamentos, energia, fibras e bioplásticos.
Com isso, um dado curioso é que as culturas alimentares produzidas no Brasil e no mundo competem com diversos fungos patogênicos, insetos herbívoros e plantas daninhas. Os prejuízos nessas lavouras podem atingir de 20 a 40% das produção potencial de alimentos.
A proteção de plantas é um ponto tão importante que a Organização das Nações Unidas declarou, no final de 2019, o ano de 2020 como o ano Internacional de Fitossanidade, com o objetivo de aumentar a conscientização global sobre como proteger a saúde das plantas pode ajudar a acabar com a fome, reduzir a pobreza, proteger o meio ambiente e impulsionar o desenvolvimento econômico.
De acordo com Araújo, o uso de defensivos agrícolas tem como um dos principais problemas a utilização incorreta. "Todo o tipo de tecnologia, se utilizada de forma incorreta, pode causar problemas. Por isso é importante observar aspectos de segurança e todas as medidas possíveis para aumentar a proteção da saúde do aplicador, evitar perdas de eficácia agronômica, resíduos e resistência. Vários aspectos podem ser melhorados a partir da utilização correta desses produtos", afirma.
Os avanços tecnológicos na aplicação de defensivos, bem como nas moléculas dos produtos, podem ser vistos como medidas de segurança coletiva. Os defensivos agrícolas possuem várias modalidades de aplicação e mais de 85% de seu volume, no Brasil, já são aplicados por autopropelidos e equipamentos tratorizados, que oferecem um maior nível de segurança.
Um trabalho realizado pelo professor da Faculdade de Ciências Agronômicas da Unesp, Caio Carbonari, calculou os EQIs (Coeficiente de Impacto Ambiental) de todos os defensivos agrícolas em uso no Brasil, bem como o seu respectivo ano de lançamento. Foi verificado que esses índices vêm caindo ao longo das décadas, o que significa que os produtos estão se tornando cada vez mais seguros.
Outro cálculo realizado foi em relação a dose média em gramas de ingrediente ativo por hectare. "Ao longo das décadas, a quantidade de gramas necessárias para controlar os alvos biológicos nas lavouras vem diminuindo em função dessa evolução. Vale destacar que o níveis caíram em mais de 90% em relação a antes da década de 70", ressalta Araújo.
Importante mencionar que recentemente o Ministério da Agricultura lançou o Programa Nacional de Bioinsumos e tem havido uma grande movimentação para incentivar a adoção de produtos biológicos no Brasil.
"A nossa indústria vem se preparando e trabalhando com isso há muitos anos. No Brasil, o mercado de produtos biológicos já superou os R$ 675 milhões em 2019, o que mostra um crescimento anual de 15% ao ano, mais de 20 milhões de hectares já tratados e registro de 265 produtos para as culturas de soja, cana, café, hortaliças e frutas. Os produtos biológicos também passam por um processo técnico-científico de evolução, o que requer muito investimento em pesquisa, desenvolvimento e controle de qualidade para garantir a eficácia econômica desses produtos, bem como a segurança no campo", esclarece Araújo.
O aumento da agricultura digital também tem ajudado a aumentar a precisão e a forma de aplicação destas tecnologias. Hoje já se fala bastante na adoção de agricultura por m2, o que permite maior controle e precisão no uso de insumos, defensivos e produtos biológicos, aplicando corretamente, no momento propício e exato local.
Outro bom exemplo é o Plano de Manejo Sanitário com base nas anotações de campo e histórico das lavouras, permitindo às empresas utilizarem big data e algoritmos para realizar o planejamento de suas safras, prevendo o que será usado de herbicidas, fungicidas, inseticida, e quando devem fazer as aplicações, visando à produtividade máxima econômica.
Tudo isso também está elencado com a evolução nos equipamentos e máquinas para pulverização. "Os equipamentos para pulverização, desde os pulverizadores costais até os automotrizes, evoluíram bastante nos últimos anos, tanto em tecnologia quanto em segurança", acrescenta Leite.
Boa parte dessas evoluções nos equipamentos acontece por meio de normas. A NR12 é uma norma regulamentadora obrigatória para os fabricantes de máquinas e trata de segurança no trabalho em máquinas e equipamentos. Já a NR31 trata da segurança e saúde no trabalho na agricultura, pecuária, silvicultura, exploração florestal e aquicultura.
"De forma resumida, o fabricante precisa moldar o equipamento conforme os requisitos da NR12 e NR31, e o trabalhador precisa manter o equipamento conforme os requisitos da NR12 que estão descritos na NR31. São requisitos de acesso, plataforma, guarda-corpo, pontos de apoio, proteção de partes móveis. A maioria dos fabricantes de pulverizadores está evoluindo não apenas para atender aos requisitos obrigatórios, mas vai além e adota regras mais rígidas", destaca Leite.
Tecnologia de aplicação
O pesquisador Ramos também concorda que houve uma evolução considerável na área de defensivos e pulverizadores. Essa qualidade, segundo ele, tem sido trabalhada através da normatização porque desta forma ela chega ao agricultor até mesmo sem ele saber, pois tratam-se de normas e leis obrigatórias. "A segurança começa quando estudamos todo o processo e pensamos o que é a segurança na fonte (nas máquinas, no produto, na trajetória e no indivíduo). A segurança já começa quando se trabalha com o manejo integrado de pragas e doenças, que leva ao uso de defensivos quando necessário", pontua.
No entanto, uma dificuldade ainda enfrentada no assunto é que o agricultor, quando está no campo, identifica a qualidade da aplicação em litros por hectare utilizados, e dificilmente se vê uma discussão mais técnica sobre o tema.
"Vamos começar a mudar essa visão por segurança quando começarmos a pensar em quatro palavras-chave: cobertura, deposição, controle e segurança. Cobertura - como o produto chegou ao alvo; deposição - quanto de produto foi colocado no alvo de forma eficaz, o que isso resultou em controle e em segurança. Alguns podem dizer que faltaram duas palavras: eficácia e economia, mas isso também depende das quatro palavras-chave", explica Ramos.
Até pouco tempo atrás a preocupação era quanto ao tamanho das gotas, e hoje não é só isso, mas a uniformidade do seu tamanho, a diferença entre a maior e a menor gota, o potencial de risco de deriva e contaminação. Esses fatores têm que estar associados à máquina para que o operador tenha um nível de decisão melhor.
Muitos fatores e tecnologias associadas podem interferir no resultado de uma pulverização como ponta de injeção de ar, calda pronta e redutores de espuma na calda, agitação e quantidade de produto, altura de barra e desgaste de pontas, por exemplo.
Ramos lembra que hoje há uma série de ferramentas de agricultura de precisão, o que demanda uma certa atenção em relação ao seu uso - como estão sendo utilizadas essas ferramentas e se a distribuição dos produtos no ambiente está sendo feita de forma efetiva.
"Existem formas de pulverização mais eficazes e com menor exposição do trabalhador, ou seja, sistemas mais eficientes de trabalho. Por isso precisamos fazer a informação chegar ao agricultor de maneira adequada e com qualidade. Esse é o desafio e não temos que ter um sistema único de treinamento porque há diferentes realidades", defende o pesquisador.
Sobre o treinamento, ele é taxativo: "Treinamento não é levar informação, o seu objetivo é promover melhorias, mudas atitudes, corrigir falhas, buscar a compreensão de conceitos e não a memorização de informações. A qualidade do treinamento não pode ser medida pela quantidade de pessoas treinadas, mas sim quanto do problema foi resolvido", avaliou Ramos.