Velocidade, percepção e minuciosidade

21/10/2022 Noticias POR: MARINO GUERRA


As ações do setor para retomar a curva de crescimento

 

No fim da safra 20/21, quando foi confirmado que o Centro-Sul do Brasil iria ultrapassar a moagem de 600 milhões de toneladas de cana (fechou em 605 milhões) e uma média das últimas seis safras (desde a 15/16) no mesmo patamar, não se esperava que o ano seguinte os produtores iriam amargar duas safras difíceis, a produção da 21/22 foi a segunda pior desde 2010 e os números da atual não indicam que será muito melhor, se não for pior.

Tendo o clima como principal vilão, a falta de chuvas que vieram desde a primavera de 2020 se intensificando a partir de março de 2022, seguida de uma sequência de geadas (em alguns lugares até quatro ocorrências) e incêndios gigantescos, prejudicaram os plantios, em especial os realizados em 2021 e soqueiras, principalmente as áreas com planejamento de colheita no início e meio de safra.

A situação climática ainda foi um prato cheio para pragas (explosão de Sphenophorus em diversas regiões e aumento do número de relatos do Migdolus) e plantas daninhas (como a cana não fechou, o residual dos herbicidas terminou deixando a lavoura sem proteção) judiarem ainda mais da planta em seu grau máximo de stress.

Além disso, o produtor passou por um período de forte insegurança (preço e disponibilidade), de insumos, maquinário e até mesmo componentes de implementos mais comuns, como um disco de arado, isso em razão do parafuso geopolítico que a humanidade entrou depois de dois anos com a mais destrutiva (vida e capital) pandemia da história e pela explosão de uma guerra entre duas potências nucleares e fornecedoras de fertilizantes.

O cenário seria de caos se não fosse a valorização da cana em decorrência dos ótimos preços de seus três principais produtos: açúcar, etanol e bioeletricidade. Mediante tal conjuntura, a Revista Canavieiros foi a campo para entender as ações pensando numa possível volta a casa das 600 milhões de toneladas. A tendência é de que será muito complexo chegar a esse patamar já na safra 23/24, mas que são boas (isso sem considerar um novo desastre climático) as chances dessa moagem acontecer em 2025, com a boa notícia de que os produtores voltarão muito mais fortes.

Veloz como uma equipe de Fórmula 1

Com tomada de decisão rápida, agrícola da Usina Cerradão espera retomar a produtividade em 2023

 

O RTV da Copercana em Frutal, Marcos de Felício, ao lado do diretor agrícola da Usina Cerradão, Thiago Queiroz. Parceria consolidada no fornecimento de tecnologia

 

Para ser bem-sucedida, uma equipe de Fórmula 1 precisa ir além da construção de um carro veloz, atingir altos níveis de excelência organizacional é fundamental, pois só assim conseguirá gerar informações confiáveis para a tomada de decisão no menor tempo possível, pois, pela natureza da atividade, muitas são tomadas perante o imprevisível.

Na agricultura essa situação não é diferente, uma estiagem que se prolonga, a definição de um manejo de defesa, reviravoltas de preços ou o aumento de pressão de pragas e doenças são apenas algumas situações que mostram que o planejamento é uma importante bússola de ações, mas para chegar a bons resultados, a capacidade de se adaptar a novas situações é primordial. Vide o que aconteceu aos canaviais em 21 e 22, uma verdadeira tempestade de imprevistos.

Por ter que fazer uma gestão de grandes áreas, as operações agrícolas das usinas geralmente são mais engessadas se comparadas com as dos fornecedores, porém em uma das unidades industriais que mais crescem no país, a direção trabalha em busca da tomada de decisão cada vez mais rápida, como a de uma equipe de Fórmula 1.

A Usina Cerradão, localizada em Frutal, tem desde a sua concepção o propósito da evolução, fundada em 2006 (tendo sua primeira safra em 20209), sob uma concepção modular, a indústria iniciou seus trabalhos com capacidade de moagem para 2,4 milhões de toneladas, na corrente safra deve processar algo em torno de 3,8 milhões, contudo se encontra na fase final de ampliação, a qual terá capacidade de moer oito milhões de toneladas.

Com a meta de atingir essa moagem até 2028, o departamento agrícola trabalha de modo intenso em duas frentes: expansão de área e verticalização da produção (ganho de produtividade).

Segundo o diretor agrícola da usina, Thiago Queiroz, o canavial está dividido em 40% de fornecedores, 35% próprio e 25% de acionistas (JP Andrade Agropecuária Ltda e Holding Queiroz de Queiroz Ltda), sendo o maior grupo o responsável pelo plano de crescimento da área através de um programa de repasse em parceria com grandes fornecedores de outros polos canavieiros. “Ao fechar parceria com produtores experientes e tecnificados temos a previsibilidade de volume e qualidade da matéria-prima, sem a necessidade de expansão de nossa estrutura agrícola”, disse o executivo.

Assim, a concentração da usina fica na verticalização  das áreas atuais, e para isso a grande aposta é a irrigação: “Depois de todos os problemas climáticos de 2020 decidimos colocar em prática um plano de irrigação, e neste ano demos o primeiro passo com operação de salvamento em cerca de cinco mil hectares”, explica Queiroz.

Nessa fase, o objetivo é a formação do "stand" adequado para esperar o período de chuva através do uso de pelo menos uma lâmina nos meses de seca mais aguda (julho a setembro) no máximo de área possível, tendo como ferramenta principal o hidro roll. A irrigação plena também está no radar (pivô ou gotejamento), porém em decorrência de infraestrutura elétrica e tempo de contrato de arrendamento, exige um planejamento maior para se concretizar.

Um segundo manejo que ganhou importância nessa década é o nutricional, com a formulação do adubo voltada para uma receita mais orgânica (composto por cama de frango, torta de filtro, vinhaça enriquecida), e aplicação da vinhaça de forma localizada e racionalizada. “Dessa maneira utilizamos o potássio de modo muito mais racional, em relação a distribuição a lanço, fazemos uma dose cinco vezes menor do nutriente, adequando a demanda agronômica à aplicação, mitigando desperdícios e dando maior sustentabilidade ao sistema produtivo”, explica Queiroz que justifica o aumento de cobertura em mais de 30 mil hectares.

De tão consolidado, a expectativa é que em breve, até pelo aumento da moagem e consequente produção da unidade, se consiga fazer com que todas as soqueiras recebam pelo menos  uma lâmina, que tem como regra, depois de muitos estudos, ser aplicado com o teto de 25 dias após a colheita.

Uma terceira ação, que gera a expectativa de que já na próxima safra (23/24) consiga voltar aos níveis de produtividade anteriores ao desastre climático, é a adoção de um moderno manejo varietal, que vai desde a produção própria de mudas, passa pela adoção do sistema de colheita do terceiro eixo e a implementação de uma ampla coleção de variedades, tanto que o percentual de concentração é de 11%, abaixo dos 15% indicados pelo IAC.

Das cultivares que farão parte do próximo plantio, o gerente agrícola, Matheus Uzelotto, mostrou uma extensa lista de materiais novos que entrarão em operação comercial: (IACCTC078008, IACCTC072361, RB12-7825, CT04-3445, RB07-5322, RB01-494 e RB07-818).

Guerra contra a cigarrinha

Um dos eventos mais marcantes na histórica agrícola da  usina e que mostra sua capacidade de resposta rápida frente aos desafios, aconteceu em 2012, quando a pressão de cigarrinha explodiu, saindo de 15 ninfas por metro linear para mais de 100. “Os defensivos simplesmente não funcionavam”, conta Queiroz.

A solução veio com a adoção de uma força tarefa preventiva através da aplicação de inseticida via corte de soqueira, fazendo com que a média retornasse para níveis considerados abaixo de dano econômico.

“Após algumas safras, decidimos utilizar a aplicação via drench para teste e tivemos que fazer a reaplicação em 50% das áreas, enquanto que o percentual de retorno com o corte de soqueira é de 5%”, disse Queiroz referendando o motivo que levou o manejo a ser fixo no cronograma das safras.

Na dor, ou você sofre, ou aprende; ou você regride, ou cresce. Quem escolhe o caminho é a resistência, que tem na força e na inteligência sua principal alimentação, as quais precisam ser cultivadas com muita preparação e esforço.

Atento como olhos de águia

Uso de drone em média propriedade eleva ainda mais o conhecimento do produtor sobre sua área

 


O RTV da Copercana em Descalvado, Murilo de Falco de Souza, ao lado do produtor, Nelson Botaro

 

Por mais avançados que estejam os recursos ligados à agricultura de precisão, quando se visita uma propriedade de um agricultor envolvido no dia-a-dia da produção e com décadas (até mesmo gerações) de experiência na área, fica claro que o cérebro humano ainda é fundamental, isso graças a percepção, que é a função cerebral que atribui significado a estímulos sensoriais, a partir de histórico de vivências passadas (memórias), algo que a tecnologia ainda não conseguiu criar.
Todavia isso não significa a negativa do novo, pelo contrário, esse produtor sabe fazer a seleção das tecnologias, uito por sua percepção, ao optar por aquilo que realmente vai melhorar sua rotina, até porque os investimentos não são baratos, e um erro pode levar um bom tempo até ser pago.
A operação liderada pelos irmãos Nelson e Valdir Botaro é um exemplo perfeito dessa conexão entre a experiência e conhecimento do terreno, até porque eles são a segunda geração de produtores e receberam muita informação do pai, Lydio José Botaro, com a tecnologia, dentre elas o uso de drones, o que eleva ainda mais sua percepção, por elevar o ângulo de visão.
Produzindo cana numa área de aproximadamente 500 ha, em Descalvado-SP, a infraestrutura da operação com drones conta com duas unidades de aplicação, uma de identificação e a estrutura de transporte, recarga de baterias e trabalho no campo (produzida na própria fazenda).
Assim, hoje ele consegue fazer alguns manejos em 100% da área, como o de broca, o qual aplica o defensivo, de residual alto, de forma preventiva quando a cana atinge o tamanho médio de dois colmos (em meados de novembro). “Antes eu fazia a armadilha, porém não tinha tempo de cobrir todas as áreas que aumentavam a pressão, com o drone consegui pulverizar toda a minha área. Quando comprei o primeiro, minha intenção inicial era trabalhar principalmente as folhas largas, porém quem pagou o investimento foi o controle da broca”, disse Nelson.
Dos herbicidas, ele utiliza a aplicação aérea não tripulada para catação de folha larga, e para isso desenvolveu sua própria metodologia, que também é usada nas aplicações de área total: “Primeiro eu vejo onde estão as reboleiras com o equipamento que possui a câmera, estudo a área e traço o plano, em seguida vou no talhão e o marco no GPS com uma volta em torno da quadra, ajusto conforme a bordadura e, se vou fazer área total defino conforme o sentido das linhas, se for apenas meia quadra, defino qual a área e coloco o equipamento para voar”.
Ainda para o controle das invasoras, o produtor aplica herbicida em pré-emergência em toda área, contudo diz que a indústria precisa proporcionar mais alternativas que se enquadrem para essa forma de aplicação, as quais precisam ter como característica a dosagem por hectare de baixo volume e alta solubilidade (para diluir no pequeno tanque de calda da aeronave).
O produtor não faz uso dos softwares de mapeamento por três razões, custo, tempo e conhecimento da área: “Eu não preciso aplicar herbicida somente na área específica que o sensor acusar, pois sei que com a  passagem das máquinas, as sementes andaram, então seleciono uma margem maior, o que dá para identificar visualmente”.
Outra função dos equipamentos, é quanto a aplicação de fungicidas, o que permitiu a volta do cultivo da CTC-15, uma variedade importante para a região que está inserido, de ambientes de produção restritivos, mas que foi “abandonada” por ser suscetível a ferrugem asiática.
Completando três safras de adoção da tecnologia, as ferramentas aéreas também foram úteis na crise climática das últimas duas safras, a qual tirou quase 20% da produção da fazenda, principalmente em entender qual ação tomar em trechos específicos: “Com o drone pude fazer ações pontuais dentro de talhões de replantio”.
Por fim, Nelson e Valdir mostram que o olhar simples, o saber quem é do empreendedor do campo, é o melhor colírio contra as duas cegueiras que invariavelmente nos acomete. A primeira é a que nos faz fechar as portas, não querer conhecer o que a evolução da humanidade nos oferta, e a segunda, ainda pior, é a da ansiedade, de buscar a qualquer preço a resolução rápida de uma determinada situação, a qual, na maioria das vezes, depende somente do tempo e da experiência para ser encerrada.


A tecnologia dos drones trouxe ao produtor, que já conhecia muito sua área, a possibilidade de observa-la por cima, elevando ainda mais sua percepção

Detalhista como um grande investigador

Produtor faz uso de tecnologia da informação e mudança de manejos para voltar a produzir os três dígitos por tonelada com rentabilidade

 


RTV da Copercana, em Cravinhos, Antônio Toniolo, ao lado do produtor, Marcelo Galvão

Medir, estudar, ouvir, raciocinar e assim ter a condição de enxergar os cenários para tomar a melhor decisão. Esse é um mantra que todos precisam carregar para a vida, e não só numa operação canavieira. Assim, a Capin, uma das maiores fornecedoras de cana da região de Cravinhos, Luís Antônio e Pradópolis, liderada pelo engenheiro agrônomo Marcelo Galvão, conseguiu entender os motivos que levaram a operação cair em quase cem mil toneladas de cana como consequência da crise de seca, gelo e fogo que acometeu os canaviais do Centro-Sul ao longo dos anos de 20 e 21.
Identificada como a pior safra da história do negócio de cana que está na terceira geração (iniciado por seu avô, Antonio Leme Nunes Galvão, na década de 70, e sucedida pelo pai, Antonio Nunes Galvão), o resultado foi agravado principalmente porque a programação de toda colheita é realizada até o meio da temporada, ou seja, ele tem muita cana de início de safra, de modo que as consequências das ocorrências climáticas do ano passado viessem somatizadas no corrente período.
Para se ter ideia, ele colheu talhões de primeiro corte com 85 toneladas por hectare, em ambiente B e C: “Se a cana não vem começam a aparecer todas as porcarias”, disse Galvão ao se referir que com o stress hídrico a cana não conseguiu fechar, assim o residual dos defensivos acabou o que proporcionou o aumento da pressão, principalmente do mato.
Nesse cenário de caos, o produtor colocou à prova a eficiência de um sistema implementado há três anos e desenhado por eles em parceria com seu fornecedor de tecnologia da informação. Se trata de um acompanhamento da colheita em tempo real através da integração de um sistema de balança móvel (que vai até a roça, no sistema de sapata) com a medição georreferenciada do trajeto do transbordo e assim entrega o peso da cana colhida.
Dessa maneira, ele consegue ler, com o andar da marcha da safra, as áreas deficitárias: “Se não fosse pelo sistema, eu com certeza teria tomado decisões erradas de prioridade de reforma, ainda mais nessa época. Hoje eu tenho cana no sétimo corte que não justifica entrar na lista de um novo plantio”. Além da informação, como forma de prevenção a futuras temporadas climáticas negativas, Galvão tem o radar ligado para novos manejos, inclusive superando a pressão por cana da região, ao decidir pela reforma de um ano (duas culturas de rotação de verão e uma safrinha) com forma de aliviar o solo com forte infestação de Sphenophorus e Nematoides.
Falando em solo, a maior mudança de rota foi a busca constante pela melhoria do seu perfil e a conquista da excelência química, física e biológica; o que compreende na adoção, em toda a área, da adubação organomineral e compostagem: “Preciso olhar para o solo com uma lupa cada vez maior”.

Referência como brigadista

Em agosto do ano passado, a Estação Ecológica de Jataí, localizada no município de Luís Antônio, sofreu com um incêndio de grandes proporções que consumiu cerca de quatro mil hectares de vegetação. Na ocasião, Marcelo Galvão, ao lado de sua equipe da operação, se destacou pelo empenho no combate, inclusive com o uso de aeronaves de uma empresa de pulverização agrícola a qual é coordenador, equipe de brigadistas, oferecimento de sua estrutura aos membros do corpo de bombeiro e ação junto aos órgãos ambientais na definição das estratégias para conter o avanço do fogo, inclusive convencendo de que o uso do “fogo de encontro” era a decisão correta para evitar que toda a reserva fosse consumida.
Outra ação relacionada à prevenção de incêndio é a instalação de uma câmera com capacidade de monitorar quase 20 km de raio utilizando uma torre de rádio: “Para montar essa estrutura eu investi menos de R$ 10 mil e com isso eu tenho uma poderosa ferramenta que rapidamente mostra focos de incêndio”, completou Galvão.
A cana-de-açúcar, por sua natureza, é o painel solar mais eficiente do planeta. Isso porque dela se produz energia em forma de alimento, combustível e eletricidade. Para extrair o maior potencial possível de sua lavoura, o canavieiro precisa abrir sua mente e considerar, sempre olhando a rentabilidade, todas as opções.