Visão para o futuro

26/07/2019 Agronegócio POR: Revista Canavieiros
Por: Diana Nascimento
 
Originário do interior de São Paulo, da região de Presidente Prudente, o atual presidente da Unica (União da Indústria da Cana-de-açúcar), Evandro Gussi, sempre teve contato com o setor.

Sua aproximação mais ativa ocorreu quando, já como deputado federal, foi apresentado ao projeto do RenovaBio. Ele conta que, a princípio, teve que estudar e se aprofundar ao tema para criar familiaridade, que as equipes técnicas da ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis), do Ministério de Minas e Energia e da Unica, o receberam diversas vezes para fazer esse processo de imersão. Foi aí que começou a entender e admirar o setor sucroenergético.

Hoje, Gussi faz parte deste setor único no país a partir de uma entidade que, afora seu tamanho, é símbolo de credibilidade.
Acompanhe a entrevista:
 
Revista Canavieiros: Qual o seu maior desafio ao assumir a Unica?
Evandro Gussi: A Unica prioriza três frentes de trabalho. A primeira é a implementação do RenovaBio, que trará mais previsibilidade para o setor, atraindo investimentos. Entram também em cena os CBios, um mercado totalmente novo. Até agora, todos os prazos estabelecidos em lei foram cumpridos e estamos confiantes de que em 2020 o RenovaBio será uma realidade, trazendo segurança energética, previsibilidade para o setor de biocombustíveis e redução de emissões de GEE (gases de efeito estufa), com estímulo à geração de empregos e novos investimentos no país. 
Outra frente é a ampliação da eficiência. O setor produtivo tem feito um esforço enorme para introduzir novas tecnologias que aumentam a eficiência da cadeia como um todo. Temos também o CTC com novas variedades de cana-de-açúcar, mais produtivas.
E trabalhamos para garantir avanços nas negociações e pleitos no comércio internacional de açúcar, que devem segurar a competitividade do produto brasileiro, e na ampliação do mercado internacional de biocombustíveis.
 
Revista Canavieiros: O senhor foi um dos idealizadores do RenovaBio. Como analisa a forma que o programa está tomando?
Gussi: Antes de tudo, sempre rejeito o título de idealizador do RenovaBio. Ele é uma obra construída em muitas mãos, tanto do setor público como da iniciativa privada. Tenho a grande satisfação de ter contribuído como seu autor, na Câmara dos Deputados, pois se trata de uma política moderna, que vai levar o Brasil a outro patamar em relação à segurança energética, ampliando a participação de fontes de energia nacionais e renováveis, como é o caso do etanol. 
O governo é um grande apoiador do RenovaBio, que vai implicar em um incremento expressivo no consumo de etanol nos próximos nove anos. Além disso, o programa possibilitará uma redução de emissões de GEE na ordem de 10%.? O impacto, sem dúvida, será muito importante também na vida dos brasileiros. 
 
"Somos, por nossas práticas e por nossos produtos, um exemplo de modernidade e de sustentabilidade, que deve ser reconhecido como um orgulho nacional."
 
Revista Canavieiros: O RenovaBio estará em funcionamento em 2020, mas muita coisa já está acontecendo. O que o senhor destaca disso tudo?
Gussi: A Política Nacional de Biocombustíveis, o RenovaBio, é uma oportunidade singular de estímulo ao uso de fontes renováveis no setor de transportes, como etanol e biodiesel, e assim reduzir o consumo de derivados de petróleo de um modo sustentável mitigando as emissões de GEE e garantindo a segurança energética do país.
O programa estabelece um mecanismo que valoriza ganhos de eficiência ambiental do lado do produtor, induzindo investimentos em novas práticas e o emprego de tecnologias ou infraestrutura redutoras de emissões. Nesse sentido, os Créditos de Descarbonização (CBios), que seguem critérios de sustentabilidade, se tornarão uma nova fonte de receita.
Portanto, é nesse contexto de alteração da dinâmica do mercado de combustíveis brasileiro, seja pela recente implementação de um nova precificação da gasolina comercializada domesticamente ou através dos novos fundamentos propostos no mercado de etanol, que a maior previsibilidade instituída pelo arcabouço do RenovaBio é imprescindível para que o setor sucroenergético responda com expansão na oferta de etanol, com a realização de novos investimentos na área agrícola e industrial necessários para que a meta estipulada de 47 bilhões de litros seja alcançada em 2028.
 
Revista Canavieiros: Acredita que algum fator externo ou até mesmo interno possa impactar na implantação do RenovaBio?
Gussi: Acredito que o RenovaBio será implantado com sucesso, pois é claro o comprometimento dos envolvidos na esfera pública e privada com o projeto.
 
Revista Canavieiros: Muitos apostam no carro elétrico. Como o etanol se consolidará no mercado mundial de biocombustíveis com mais essa opção?
Gussi: Somos entusiastas do processo de eletrificação veicular. Estamos convencidos de que o futuro da mobilidade é múltiplo e que o etanol fará parte desse cenário. Chegará ao mercado, neste segundo semestre, o primeiro carro híbrido-flex do mundo, o Corolla, da Toyota. Um projeto que oferece baixíssima emissão quando abastecido com etanol e analisado o ciclo poço à roda. Essa é uma ponderação que deve ser feita quando falamos de carros elétricos plug-in: de onde vem a energia. Se é de uma fonte que emite GEE, como as usinas a carvão, o objetivo de redução não é alcançado. Um exemplo é que o carro elétrico rodando na Europa, hoje, com a matriz elétrica atual, emite mais GEE do que o flex brasileiro com MIC a etanol, quando analisado o ciclo completo. Por isso, estamos contribuindo fortemente para mostrar que o caminho para a eletrificação precisa ser coerente com o objetivo buscado. Se digo que estou reduzindo emissões com motor elétrico, mas uso eletricidade de uma termelétrica movida a carvão, meu discurso passa a ser falacioso. Infelizmente, isso é o que tem acontecido em algumas regiões do mundo. Assim, projetos como o híbrido-flex e o veículo com célula de combustível a etanol da Nissan são mais realistas e entregam a meta de redução de emissões.
 
Revista Canavieiros: O que é necessário para criar e consolidar um mercado global de etanol?
Gussi: Somos um case de sucesso. O etanol da cana-de-açúcar brasileiro é o biocombustível com menor pegada de carbono do mundo, sendo reconhecido como tal pelas agências internacionais.
Na União Europeia, o etanol de cana é reconhecido pela diretiva de promoção de energia renovável (I e II) como o biocombustível de primeira geração que mais reduz as emissões comparado com o combustível fóssil (70% quando colocado no mercado Europeu). Conforme essa diretiva, o etanol de cana apresenta baixo risco de provocar mudanças indiretas no uso da terra (entre 2008 e 2017, 2,2% de avanços sobre terras de alto teor de carbono conforme a diretiva).
No Japão, o nosso etanol supera o limite de 50% de redução das emissões de GEE requerido para poder ser utilizado. Trata-se do único biocombustível a atender os parâmetros de redução.
O aumento da mistura de etanol na gasolina tem sido visto como um caminho para mitigar a emissão de GEE e atender as metas do Acordo de Paris, com diversos países estabelecendo o aumento de blend para os próximos anos. Temos o potencial de consolidar, nos próximos anos, um mercado internacional de biocombustíveis. Ou seja, teremos grandes oportunidades a agarrar e nós da Unica já estamos fortalecendo as relações com esses mercados.
 
Revista Canavieiros: No mercado interno, o uso do etanol tem crescido bastante. Além do preço, o senhor acredita que os consumidores estão mais atentos às questões ambientais e de saúde? Fale mais sobre isso, por favor.
Gussi: Na última safra tivemos a produção recorde de 33 bilhões de litros que foi absorvida majoritariamente pela demanda interna. Ou seja, há ainda potencial para crescimento na oferta interna, ainda mais com o RenovaBio no horizonte, que deve chegar a quase 50 bilhões de litros/ano.
Contudo, não temos visto nos últimos anos um crescimento expressivo do consumo de combustíveis do ciclo Otto, que em 2018 retraiu 3,3% frente a 2017. O etanol tem, sim, aumentado seu share de mercado, chegando a 46,1% em 2018, mas em grande parte devido ao preço competitivo do biocombustível nos seis estados produtores.
São Paulo, Minas Gerais, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás e Paraná concentram a demanda, pois concedem incentivo tributário baseado nas externalidades positivas do etanol – cerca de 85% do consumo está nessas localidades. Além disso, mesmo nos estados produtores onde o preço é competitivo, 60% da frota flex usa etanol. Ou seja, temos uma grande oportunidade de expansão. Seja por meio de uma comunicação maior de todos os benefícios ambientais e sociais que o etanol oferece, seja por meio de uma reorganização tributária que possibilite a valorização de suas externalidades positivas.
 
Revista Canavieiros: O senhor já comentou que o setor sucroenergético precisa melhorar a sua comunicação com a sociedade. A Unica pretende realizar ações para isso? Se sim, quais?
Gussi: Temos o objetivo de dar continuidade ao belíssimo trabalho de relações públicas realizado pela Unica desde sua criação. Nos próximos anos vamos buscar as histórias das pessoas que fazem o setor sucroenergético ser o que é e contar essas narrativas nos nossos canais digitais. Queremos estar cada vez mais próximos dos nossos associados e da sociedade como um todo mostrando esse setor que é moderno, sustentável e que não cansa de se reinventar.
 
Revista Canavieiros: Na sua opinião, o que precisa ser combatido e qual o lado B do setor sucroenergético que as pessoas ainda desconhecem?
Gussi: O setor sucroenergético tem grande comprometimento com o meio ambiente. Exemplo disso é o protocolo de Proteção da Biodiversidade que assinamos com a Secretaria de Agricultura do Estado de São Paulo, a Syngenta e a Orplana, na última Agrishow, que desencadeará uma série de ações em todo o estado.
Esse protocolo é mais uma demonstração concreta do comprometimento do setor com a constante evolução e inovação de suas práticas, o respeito ao meio ambiente e à sociedade.
Em 2007, assinamos o protocolo Etanol Verde, um grande marco para o estado de São Paulo, pactuado entre a Secretaria da Agricultura e Abastecimento, a Secretaria do Meio Ambiente, a Cetesb e o setor sucroenergético. Com ele, eliminamos a queima da cana-de-açúcar e atingimos a marca de 98% de colheita mecanizada. Isso envolveu um investimento nas pessoas, com a qualificação da mão de obra. Quem antes cortava cana, hoje pilota uma colhedora ultratecnológica.
Após essa grande conquista, ampliamos a adoção de práticas produtivas sustentáveis e criamos o protocolo Etanol Mais Verde, com suas 10 diretivas. Destaco o trabalho fortíssimo de recuperação de APPs e constituição de Reserva Legal, que tem trazido de volta a fauna característica do Estado. Recuperamos 250 mil hectares de APPs, temos mais de oito mil nascentes protegidas e 35 milhões de mudas de vegetação nativa plantadas.
Para além disso, revolucionamos nossas operações nos últimos anos. Além de eliminar a queima e mecanizar 98% da colheita no Centro-Sul, passamos a gerar energia elétrica a partir de biomassa e nos tornamos a terceira fonte mais importante da matriz brasileira, com o benefício de ter baixíssimo impacto ambiental; adotamos a fertirrigação e o controle biológico; reduzimos o consumo de água, via uso de circuitos fechados e adoção de sistemas de limpeza de cana a seco. É importante ressaltar que nesse processo foi feito um grande investimento em capacitação e atualização da mão de obra do campo. Ou seja, o setor avançou muito nos últimos anos e temos um caminho muito positivo pela frente, desde que haja previsibilidade e segurança para trabalhar.
No futuro, do portão da usina para dentro, há uma série de inovações que, ao serem adotadas em ampla escala, trará mais produtividade. Como exemplo têm as novas variedades de cana que estão chegando ao mercado, tecnologias da agricultura 4.0, meiosi e o plantio em semente. Essas e outras novidades trarão maior produtividade e vida útil aos canaviais nos próximos anos. 
Revista Canavieiros: Como valorizar adequadamente a participação de pequenos e médios produtores de cana-de-açúcar dentro da cadeia sucroenergética? Qual a sua mensagem para esses produtores?
Gussi: A cadeia produtiva sucroenergética, diferentemente de outras no agronegócio, possui um modelo que estabelece relação direta entre a receita da agroindústria e do produtor rural, que é o modelo Consecana. Contudo, é preciso ressaltar que nos últimos anos o setor passou por um processo importante de mudança com a mecanização da colheita, que impôs desafios grandes para alguns produtores com menor escala. Nesse contexto, é importante a união de forças via cooperativas e condomínios e a valorização das associações de fornecedores. As usinas entendem a importância dos pequenos e médios produtores para a cadeia produtiva.
 
Revista Canavieiros: No último Ethanol Summit, foi apresentado o novo slogan da Unica - "Alimento e energia sustentável do Brasil para o mundo". Frente a isso, quais serão os próximos passos da entidade em prol do setor?
Gussi: O slogan escolhido pela Unica indica a nossa visão de futuro, com a valorização do setor e ampliação de mercado no Brasil e no mundo para o açúcar, o etanol e a bioeletricidade que são produzidos aqui.