Volume de água e eficácia na aplicação de defensivos em cana-de-açúcar

29/07/2020 BANCO DE VARIEDADES POR: * Hamilton Humberto Ramos / ** Viviane Corrêa Aguiar Ramos

Por definição, a tecnologia de aplicação de agroquímicos é o emprego de todos os conhecimentos científicos que proporcionem a correta colocação do produto biologicamente ativo no alvo, em quantidade necessária, de forma econômica e com o mínimo de contaminação de outras áreas. Por envolver conhecimentos em diferentes campos, muitas vezes a tecnologia de aplicação é reduzida à adoção de um volume de calda por ha, ou, quando muito, a um volume associado a um tamanho de gotas especificado.

Entretanto, quando se pergunta a técnicos ou produtores não quantos l/ha se utilizam mas o porquê da utilização daquele volume, as respostas quase sempre são “não sei” ou “porque este é o mais usual”. Quase nunca os volumes utilizados são baseados em avaliações ou testes preliminares de cobertura, deposição e controle. Aliás, cobertura e deposição são palavras-chave na avaliação da eficácia de qualquer aplicação de defensivos e volume, mas apesar de importante não é o único foco na sua adequação.

Entende-se por cobertura a porcentagem da área tratada coberta pela calda de pulverização, enquanto que deposição é a quantidade de ativo efetivamente depositado na área. Assim, para uma boa eficácia, é necessária uma quantidade adequada de produto, bem distribuída e, na cana-de-açúcar, vários pontos de regulagem ou operacionais podem interferir nestes fatores.

Como exemplo, é muito comum em cana-de-açúcar a utilização de pulverizadores com mais de um tanque de calda sendo que, no tanque frontal, a agitação é realizada apenas de forma hidráulica por meio da calda enviada pela bomba de pulverização. Não raro, pela distância entre a bomba (traseira) e o tanque (frontal), problemas como entupimento do sistema ou mesmo deformações na mangueira ocorrem, fazendo com que o fluxo seja reduzido, prejudicando a agitação. Com este prejuízo, pode ocorrer a segregação de produto no tanque fazendo com que os defensivos, dependendo da sua formulação, se acumulem na parte de baixo (pós) ou de cima (óleos) do tanque, causando uma heterogeneidade na distribuição do produto, e como consequência na sua deposição. 

Assim, mesmo que ao final da aplicação o relatório do controlador mostre que a dose por área foi adequadamente aplicada, a forma irregular como foi distribuída pode levar ao insucesso da aplicação em diferentes pontos.

O uso de adjuvantes é outro ponto a ser observado. Normalmente, como a grande maioria das pulverizações é para aplicações de herbicidas no solo ou sobre a palha, pontas que geram gotas das classes “muito grossas” ou ‘extremamente grossas” são utilizadas, principalmente as que se utilizam de indução de ar.

Nestas pontas, por projeto, a elevação do tamanho de gotas se dá pela agregação de ar à calda, formando glóbulos de ar com água que são então aplicados. A agregação de ar e água nada mais é que espuma, tanto que estas pontas, no início da sua utilização, eram conhecidas como “bico espuma”. Se a ponta depende da formação de espuma para elevar o tamanho das gotas, a utilização de um redutor de espuma na calda irá prejudicar este processo, reduzindo o tamanho das gotas e elevando o risco de deriva.

Ao formar gotas menores, a cobertura do solo, para um mesmo volume de aplicação, é elevada, podendo passar a falsa sensação de que está chegando mais produto no alvo. No entanto, esta é uma mera confusão entre os conceitos de cobertura e deposição. A cobertura (% coberta) será maior, mas a deposição (quantidade de ativo) poderá ser sensivelmente menor em função da deriva.

Ainda com relação a adjuvantes, muitos herbicidas aplicados sobre a palha necessitam ter uma baixa capacidade de aderência à palha e alta solubilidade para que, através da água do ambiente e não da pulverização, possam ser solubilizados, passar pela cobertura e atingir o solo onde está o banco de sementes, real alvo da pulverização. Alguns adjuvantes, utilizados basicamente como redutores de deriva, podem possuir um alto efeito adesivo, dificultando a penetração do herbicida e fazendo que uma maior quantidade de água seja necessária para seu carreamento para o solo, podendo ser um problema principalmente em épocas mais secas. Neste caso, cobertura e deposição podem não ser alterados, mas o controle sim.

Uma vez levados em consideração todos os fatores técnicos e operacionais que podem interferir na cobertura e deposição, é necessária a adequação do volume de calda a ser aplicado, uma vez que é um dos principais itens na composição do custo operacional de pulverização.

A redução do volume aumenta a capacidade operacional dos equipamentos, reduzindo o custo da aplicação, além do ganho ambiental associado ao menor consumo da água. Trabalhos desenvolvidos pelo Centro de Engenharia e Automação do Instituto Agronômico, órgão da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo, já mostraram que para herbicidas de baixa capacidade de adsorção na palha (KOW) e alta solubilidade aplicada em cana-de-açúcar, coberturas de cerca de 10% do solo (palha) com adequada distribuição do ingrediente ativo e volumes de calda em torno de 100 l/ha são suficientes para um controle efetivo.

Quase sempre, em casos de não controle, é mais econômico se olhar o processo e buscar por problemas e alternativas, antes de se optar pura e simplesmente pela elevação do volume de aplicação. Enquanto o volume de aplicação for o único sinônimo de qualidade, o prejuízo ao agricultor será certo.

* Hamilton Humberto Ramos é pesquisador do Centro de Engenharia e Automação do Instituto Agronômico

** Viviane Corrêa Aguiar Ramos é pesquisadora do Centro de Engenharia e Automação do Instituto Agronômico