Capital de giro com verdinhas

Capital de giro com verdinhas

26/02/2020 Agricultura POR: Marino Guerra
Capital de giro com verdinhas

Horta pode ser uma excelente maneira para o produtor de cana ter uma movimentação de caixa ativa

Olhando sob o ponto de vista financeiro, um dos grandes problemas de uma operação canavieira está em seu fluxo de caixa, pois como é uma cultura perene (tem uma colheita ao ano) e de entrega imediata (não tem como estocar), a entrada de dinheiro se resume em duas ou três vezes, em média, por ano.

Essa baixa frequência é perigosa para o produtor, que precisa injetar um montante (seja capital próprio ou financiado) para girar os custos da operação e cobri-los nas datas previstas para a entrada de recursos.

No entanto, esse pagamento não é tão garantido assim. O valor de recebimento pode diminuir consideravelmente em razão da queda na produtividade ou acidentes (como queimadas e geadas), fora a exposição que se tem ao estar ligado, geralmente, a apenas um “cliente”, o que traz a insegurança de atrasos por longo período e até mesmo o calote que uma recuperação judicial ou falência pode gerar.

O RTV da filial de Barretos, Anézio Meloni Neto, ao lado do produtor de hortaliças e cana, Francisco Muzetti Neto

Assim, desenvolver uma atividade que aumente a frequência de entrada de recursos é sempre muito importante pensando em aumentar a segurança financeira. Além disso, há a vantagem competitiva em poder comprar a preços melhores, aproveitando promoções ou então pagando à vista.

Nesse aspecto, destinar um espaço da fazenda para ter uma produção de hortifruti se desenha como uma solução bastante interessante, como é o caso do cooperado de Barretos, Francisco Muzetti Neto.

Não que ele tenha começado sua horta pautado na estratégia financeira comentada acima. O agricultor plantou os “primeiros pezinhos” de alface em 1994, quando utilizou um pequeno pedaço de terra da fazenda do pai, que tinha gado e cultivava grãos, para realizar um experimento necessário para fechar a residência agronômica, último passo da graduação em Agronomia.

Ele conta que montou apenas uma estufa para o trabalho, o que desnudou aos seus olhos uma interessante oportunidade comercial. Animado a continuar na cultura, ao longo desses quase 25 anos de atividade, ele sempre manteve um crescimento constante, o que resulta hoje numa estrutura com 46 estufas de 8x60 metros, ocupando cerca de um alqueire, considerando apenas a área coberta.

Com doze tipos de hortaliças de folhas e ervas cultivadas (quatro variedades de alface, chicória, rúcula, couve, almeirão, temperos e brócolis) ele e a sua equipe realizam desde a produção das mudas, preparo de solo, manutenção no sistema da irrigação e estufas, manejo, colheita, conservação e transporte da produção.

As folhas têm um mês de ciclo iniciado através do desenvolvimento das mudas. A semente é plantada em bandejas contendo substratos e, num momento inicial, ficam dentro de um barracão até germinar, quando então são transferidas para uma estufa para permanecerem por no máximo 30 dias recebendo adubo e água.

Ao final desse período elas são transplantadas em terreno já preparado para o seu desenvolvimento e posterior colheita comercial. Segundo Muzetti, executar internamente esse trabalho de produção das mudas reduz o custo em 50%.

Produzindo cerca de 320 maços por estufa ao mês, o produtor fertiliza o solo por meio de uma estratégia de integração entre químico e orgânico, sendo a cama de frango a principal matéria-prima. Como manejo de preparo de solo após a colheita, ele faz uma subsolagem, joga o adubo, incorpora, destorroa, molha e planta.

Muzetti produz a muda na fazenda e com isso consegue reduzir o seu custo em 50%

Um dos destaques de seu manejo é a utilização de adubos foliares, quando aproveita a fase vegetativa das plantas para que elas ganhem mais volume e também acelere o crescimento, atingindo o tamanho correto no tempo apropriado.

Após a colheita, os maços são formados, lavados em água corrente pura e armazenados em câmara fria, podendo permanecer por até três dias, antes de ser entregues, no caso da operação de Muzetti, em atacados de Barretos.

“As verduras são plantadas e colhidas todos os dias e entregues quase que diariamente, tirando apenas as ocasiões em que o atacado não abre”, disse o produtor, mostrando que o trabalho nesse segmento é constante e ininterrupto.

Ainda sobre a rotina na fazenda, vale falar que a colheita é realizada a partir das cinco da manhã, sendo no período matutino que quase todo o trabalho acontece, inclusive a entrega.

Além da terra, para girar essa engrenagem, o produtor conta com oito colaboradores, que moram na fazenda, três tratores com 70 cavalos de potência em média e um caminhão baú para a entrega. Outra estrutura que a operação necessita é a de irrigação, sistema que demanda significativo investimento e manutenção.

Quando questionado sobre o motivo dos profissionais da horta residirem na propriedade, o agricultor conta que sempre adotou a estratégia tendo duas grandes metas: a constituição e fortalecimento de uma equipe integrada. Para isso, o número de troca de funcionário precisa ser baixo, o que funcionou em razão do colaborador ter benefícios como água, luz, internet, televisão e, lógico, verduras.

Outro ponto é o tempo de trabalho, pois se a equipe morasse na cidade, além do custo de transporte, também seria perdido um valioso tempo para chegar até a fazenda. A qualidade de vida em se morar com a família num lugar estruturado e muito mais seguro que diversos bairros urbanos é outra vantagem.

Estufas recém-reformadas pela equipe que atua exclusivamente na operação de hortaliças

Sobre a cana-de-açúcar, ela começou a ser cultivada na fazenda em 2006 e hoje tem um canavial abrangendo cerca de 100 alqueires, tamanho que Muzetti pretende aumentar, utilizando a mesma estratégia da horta - de maneira bem lenta e racional.

Para o futuro, o produtor não vê o crescimento da produção de folhas, pois há a necessidade de investimentos altos em infraestrutura, indo desde terra até a ampliação da câmara fria e aquisição de mais um caminhão.

Seu foco agora está num terceiro negócio: a prestação de serviço de colheita mecanizada da cana, empreendimento que já rodou na safra finalizada há pouco com uma frente e deve ser ampliado já em 2020, com mais um conjunto de maquinário.

Ao conversar a respeito de sua estratégia financeira, Muzetti é bem simples ao definir a horta como o recurso que usa para tocar a vida, o dinheiro para pagar as contas diárias. Já o rendimento da cana é usado para compras maiores como insumos mais caros, implementos e máquinas e, também, reinvestidos na área como ampliação do canavial e formação das frentes de colheita.

Solo preparado e muda recém-transplantada

Caminhão que o produtor utiliza para fazer a entrega das verduras quase que diariamente, só não entrega em dias que o cliente não abre a loja